sexta-feira, 11 de março de 2016

Na Parede

Eu havia me mudado para um apartamento novo com a minha namorada há mais ou menos dois anos atrás. Era bastante pequeno, tinha apenas uma cozinha, um quarto, um banheiro e uma sala de estar. Todos os cômodos eram minúsculos, mas o preço era bom e nós não nos importávamos muito. Nenhum de nós tinha dinheiro suficiente para sair de lá, então tentávamos não reclamar.

Uma das coisas mais esquisitas sobre o lugar, é que o lado esquerdo das paredes era totalmente oco e vazio, e o lado direito era sólido como pedra. Eu nem notei isso quando me mudei, nossos vizinhos eram bastante calmos, e deixavam suas discussões para si mesmos. Quando nos mudamos, os únicos vizinhos que tínhamos eram os White. Eles moravam à nossa direita, eram idosos, mas bastante agradáveis com a gente.

Assim que chegamos, eles nos trouxeram um presente de “boas vindas”, e continuaram fazendo isso para todas as pessoas que se mudaram para o prédio. Era uma pequena torta de maçã, que por sinal estava muito boa.

Depois de mais ou menos seis meses morando lá, um cara se mudou para outro apartamento à nossa esquerda. Lembro de conhecer ele... Havia acabado de chegar ao prédio com algumas compras, e enquanto subia as escadas até o meu apartamento acabei me esbarrando em alguém.

“Desculpa, Sr...” Mas eu não sabia quem ele era, nosso prédio era bem pequeno, então todo mundo acabava conhecendo todo mundo. O homem que eu havia esbarrado estava provavelmente na casa dos 50 anos, mas era mais que isso.

Algo nele era estranho.

Ele tinha várias rugas, a pele era branca como neve, o cabelo era gorduroso e negro, parecia não ser cortado há algum tempo; tinha uma aparência de doente, como se precisasse ir ao médico naquele exato momento. Os olhos eram negros, quase roxos, e aquilo era algo que eu nunca havia visto em toda minha vida.

“Peters.” Ele disse com um sorriso de orelha a orelha, mas seus dentes eram nojentos. Provavelmente não os escovava nunca e pareciam estar prestes a caírem de sua gengiva a qualquer segundo.

Apesar da aparência esquisita, ele parecia – ou tentava – ser uma boa pessoa. “Prazer te conhecer, Sr. Peters. Meu nome é Matt, você se mudou recentemente?” Perguntei e o sorriso dele cresceu ainda mais. Não sabia que ele – ou qualquer outro humano – conseguiriam mostrar um sorriso tão grande. “Sim, acabei de me mudar. Vou ser seu vizinho.” Ele respondeu enquanto nós dois continuávamos caminhando pela escada até alcançar o nosso andar.

Quando finalmente o alcançamos, Sr. Peters caminhou mais rapidamente até seu apartamento, abrindo a porta de forma ágil e a fechando assim que entrou... Foi tão rápido que parecia um borrão.

Ótimo, agora tenho um vizinho esquisitão... Pensei para mim mesmo enquanto suspirava e abria a porta do meu apartamento. Eram provavelmente 16h00min, minha namorada, Sandra, ainda estava no trabalho. Ela é cabeleireira, e eu, chefe de um restaurante Italiano do bairro; geralmente fico no trabalho até mais tarde, mas porque o movimento estava pouco naquele dia, nós fechamos mais cedo.

Coloquei as compras na mesa da cozinha e comecei a guardar tudo dentro da geladeira, não havia comprado muitas coisas, só leite, manteiga, carne de Hambúrguer e uma caixa de cereal. Logo depois de guardar tudo, um dos meus amigos, Tyler, me mandou uma mensagem.

“Cara, acabei de conseguir o novo Red Dead Redemption, e você precisa conseguir também para que possamos jogar juntos.”

Eu nunca gostei muito de jogar, mas Tyler é um dos amigos mais próximos que eu tenho, nós nos conhecemos desde o fundamental, como eu tenho um Xbox, Tyler e eu jogaríamos algo juntos de tempos em tempos.

Eu não tinha nada mais interessante pra fazer, então eu respondi a mensagem dizendo que estava saindo para comprar.

Enquanto eu alcançava a porta para sair do apartamento, ouvi batidas na parede à esquerda. Era esquisito, porque eram tão claras, então me aproximei dela e dei alguns golpes fracos. Foi aí que eu percebi que, seja lá por qual motivo, a parede era oca.

Andei até a parede da direita e repeti o processo, sendo retribuído com um barulho; essa era sólida. Fiquei intrigado com a construção do prédio, por que uma parede seria praticamente oca e a outra, completamente sólida? Também estava curioso para saber o que o Sr. Peters estaria fazendo no apartamento para causar aquele barulho.

Dei de ombros logo depois. “Provavelmente arrastando móveis ou algo do tipo.” Disse para mim mesmo, tentando ignorar o fato de que ele não carregava nada consigo quando o encontrei, minutos antes.

Fechei a porta do apartamento, dando de ombros novamente e fui comprar meu jogo.

Quando cheguei com meu jogo em mãos, eram quase 17h00min e fiquei feliz em notar que aquele barulho havia cessado. Não me importava com o que ele fazia no próprio apartamento, desde que fizesse sem causar tanto incomodo.

Decidi jogar, pegando meus fones de ouvido e os colocando na orelha animadamente. Eles eram muito bons, não conseguia ouvir quase nada enquanto os usava. Joguei com Tyler até as 20h00min e disse pra ele que precisava parar, mas que jogaríamos mais no dia seguinte, assim que eu chegasse do trabalho. Tyler não tinha emprego, o pai era rico, trabalhava uma companhia de petróleo ou algo do tipo, realmente não sei, mas sei que ele tinha muito dinheiro, o que fazia Tyler ficar o tempo todo em casa sem fazer absolutamente nada.

Desliguei o console e levantei de onde estava para cumprimentar Sandra, nós conversamos sobre nosso dia, coisas desse tipo. Em meio à conversa, lembrei do Sr. Peters.

“Você sabia que alguém ia se mudar para o apartamento da esquerda?” Perguntei e Sandra me disse que não fazia ideia sobre o novo morador, então decidi perguntar ao Sr. e Sra. White na manhã seguinte. Eles conheciam todo mundo lá, provavelmente já tinham uma torta pronta no forno pra ele.

Não consegui dormir direito aquela noite, tive um sonho estranho sobre o Sr. Peters, encarando eu e minha namorada na cama, sorrindo daquela forma tenebrosa. Eu queria fazer algo, acordar minha namorada, avisá-la, ou simplesmente sair correndo dali, mas fui impedido com apenas um dedo em meus lábios e um simples “Shhh”, de uma voz amigável.

Não parecia um sonho, no entanto. Tudo era claro demais e eu consigo lembrar dos menores detalhes, mas ao mesmo tempo, é impossível que seja real.

Pelo menos é isso que minha terapeuta me disse.

Depois de uma noite sem dormir, tomei um banho rápido e decidi tomar café logo depois; ouvi o barulho na parede novamente, dessa vez de forma mais delicada, e se possível, mais assustadora. Fui até a cozinha, abrindo a geladeira e  os armários, percebendo que algo estava diferente...

Leite, manteiga, carnes de Hambúrguer e nada da caixa de cereal.

Olhei em todos os lugares possíveis, tentando me convencer de que havia colocado em outro lugar, diferente do que achava. Sandra acordou logo depois, se deparando comigo, correndo feito um louco pela cozinha atrás de uma caixa de cereal.

“O que você fez com o cereal?” Perguntei enquanto abria mais e mais gavetas e portas no armário da cozinha.

“Não foi ali que você colocou?” Ela perguntou enquanto apontava um dos dedos para o mesmo lugar que eu tinha certeza que havia colocado. “Sim, eu poderia jurar que havia colocado ali, mas não sei onde está. Por favor, me diz que você pegou...” Eu disse, enquanto ela continuava a negar com a cabeça.

Me convenci de que foi ela de qualquer forma.

Quem mais poderia ter sido? Um ladrão? Não. Que ladrão rouba caixas de cereal? Tentei não dar mais importância para aquele assunto do que ele realmente merecia, então simplesmente disse: “Deve ter criado um par de pernas e saiu andando.” E decidi esquecer aquilo tudo.

Fui até a casa dos White e bati na porta, logo o Sr. White apareceu, com um sorriso no rosto e disse. “Olá, filho. Como está você nessa bela manhã?”

“Oi, Sr. White. Estou bem, obrigado. Eu vim até aqui porque precisava lhe perguntar algo. Você ouviu falar do Sr. Peters?” Perguntei e o Sr. White franziu o cenho assim que escutou aquilo.

“Bom... Não. Desculpe, não... Quem é?” O homem questionou.

“Ele se mudou para o apartamento ao lado do nosso, estou surpreso que você não o conhece; você sempre foi o primeiro do prédio a saber quando alguém está se mudando...” Eu disse e o Sr. White sorriu e respondeu: “Bom, talvez eu deva ir lá e ver como ele está, então.”

Pensei naquela sugestão por um momento e decidi acompanhá-lo, subindo as escadas novamente, e alcançando a porta um momento depois. Sr. White bateu na porta e nós ficamos ali por algum alguns segundos, mas a única resposta que recebemos foi o silêncio. Achei aquilo estranho, não havia sequer um barulho vindo do apartamento, como se estivesse completamente vazio.

“Hm... Ele ainda deve estar dormindo.” Sr. White disse, e eu achei que aquela seria uma explicação sensata, já que nenhum som vinha de dentro do local.

“Que tal voltarmos mais tarde, ver se ele já acordou?” Sugeri ao Sr. White, que concordou com a oferta, dizendo que já teria uma torta pronta pra quando eu chegasse do trabalho.

Separamos-nos, segui meu dia normalmente e voltei para casa.

Troquei de roupa e fui até a cozinha, pensando em comer rapidamente antes de ir até a casa do Sr. White.

Peguei uma barrinha de chocolate e fui até a geladeira, mas quando abri, não havia mais leite algum lá. Naquele momento isso começou a me deixar irritado, Sandra estava tentando me assustar ou algo do tipo? Cheguei em casa antes dela, de novo, então decidi apenas ir até a casa do Sr. White e conversar com Sandra quando eu retornasse.

Bati na porta e recebi uma resposta inesperada. Apenas a Sra. White, com lágrimas nos olhos, que pareciam vermelhos e irritados. “Olá, Matt.” Eu não sabia o que se passava, então apenas perguntei o que havia acontecido para que ela ficasse daquele jeito. “O George, meu querido George...” Ela disse, e mesmo que eu e Sandra só o chamássemos de Sr. White, nós dois sabíamos que seu nome era George.

“O que aconteceu com ele?” Perguntei.

“Ele sumiu, simplesmente sumiu.” Ela disse enquanto soluçava de tanto chorar, e minha mente me ofereceu uma única solução.

Sr. Peters.

“Vem comigo, agora.” Eu falei com a Sra. White.

Andei rapidamente até alcançar a porta do Sr. Peters e bati na porta freneticamente. “Sr. Peters, abra a porta, agora.” Mas a única coisa que recebi, pela segunda vez no dia, foi o silêncio.

Completo e absoluto silêncio.

Depois de alguns segundos a Sra. White me alcançou no corredor.

“Ligou para a polícia, Sra. White?” Perguntei e ela balançou a cabeça positivamente. “Eles vieram aqui e eu os contei o acontecido... Por que você está batendo na porta? Quem é Sr. Peters?”

Expliquei tudo pra ela o mais rápido possível, e ela confirmou que nunca havia ouvido falar dele. Preocupado, peguei o meu celular e liguei para a polícia novamente, e juntamente com a Sra. White, esperei que eles chegassem, mas antes que eles o fizessem, Sandra chegou do trabalho e nos viu no corredor.

“O que está acontecendo?” Ela perguntou, e eu contei o que havia acontecido com o Sr. White, com o leite, tudo. Sandra apenas esperou pela polícia conosco.

Quando eles finalmente chegaram, tive que explicar novamente minha história. Os dois se encararam, e foram até a porta, batendo na mesma novamente, e recebendo a mesma resposta que eu recebi.

Silêncio.

Eles decidiram falar com o síndico, coletar algumas informações sobre os moradores, mas ele disse que não havia nenhum Sr. Peters morando naquele apartamento.

Tanto a polícia quanto o Síndico retornaram ao apartamento, com a chave mestra em mãos e assim que a porta foi aberta, tudo o que vimos foi o nada. Absolutamente nada. Era apenas um apartamento vazio, nós caminhamos no local, confusos – eu mais do que todos os outros –

Foi aí que eu lembrei, andando até a parede e bati na mesma com meu punho, e a parede vazia fez seu barulho de costume. Os que antes eram dois policiais, subitamente se tornaram dez.

Demorou mais ou menos três horas, de pensamentos e discussão, mas eu, Sandra, a Sra. White e o síndico esperamos calmamente até a polícia decidir o que faria depois.

Depois de toda a discussão, eles decidiram derrubar a parede oca, e o que eu estava prestes a ver ali mudaria minha vida pra sempre.

Era horrível de se ver.

O Sr. Peters se deitava calmamente, próximo ao corpo do Sr. White – que tinha seu abdômen totalmente aberto –. Parecia que o Sr. Peters havia feito aquilo com os próprios dentes, usando eles para causar uma abertura no Sr. White, mas aquela não era a pior parte, no meio do abdômen aberto do Sr. White havia pequenos grãos de cereal e leite, juntamente com sangue. Havia muito sangue... Em todo corpo deles, a Sra. White não apreciou aquilo, ficando nervosa e histérica, logo depois começando a vomitar.

Alguns dos policiais também vomitaram, e mesmo também sentindo vontade, resisti. Aquilo era horrível de se ver, mas ainda não era a pior parte.

A pior parte era o sorriso, ele mostrava o mesmo sorriso de orelha a orelha que tinha quando me conheceu. Os policiais tinham suas armas prontas para atirar, apontadas pra ele.

Ele só sorria. Sorria pra mim. Olhando-me diretamente nos olhos.

Senti um frio inexplicável na espinha enquanto ele levantava e se afastava do corpo, seus olhos nunca deixando os meus, seu sorriso nunca diminuindo.

A policia o levou para a delegacia e o algemou, outros policiais tiraram o corpo do Sr. White da parede oca, e a Sra. White chorou o caminho todo. Eu me senti triste por ela, realmente. Se eu achasse a Sandra naquele estado, não sei como iria reagir.

Sr. Peters foi finalmente preso e recebeu pena de morte, comecei a visitar um terapeuta algum tempo depois do acontecido, e ainda o visito, uma vez por semana.

Estou escrevendo isso agora só pra avisar todo mundo por aí, quando você ouve alguma batida na parede, ou no andar de cima, talvez você deva checar de forma mais precisa.

Podem ser apenas “barulhos normais”,mas depois desse evento eu nunca mais dei uma chance, eu ainda estou incrivelmente paranoico, eu lembro de acordar as 03h00min da manhã, ouvindo batidas repetidas vindo da minha cozinha... Levantei como sempre faço, mas dessa vez era diferente. Eu via o Sr. Peters sorrindo pra mim, os dentes podres derramando algum fluido pela boca, que definitivamente era sangue, mas quando eu acendi a luz, ele simplesmente sumiu.

Eu não sei por que isso está acontecendo comigo, não acredito no sobrenatural ou coisas do tipo, mas eu sei o que eu vi.



Ele estava lá, me encarando de volta, me mostrando aquele terrível sorriso. 

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