terça-feira, 20 de agosto de 2013

O Caso Gabriel Orwell





Eu tenho que escrever essas palavras para manter a pouca sanidade que ainda me resta. Cada dia eu me sinto fora de mim, como se tentar-se segurar água em concha nas mãos e ela escorresse. Escrever sobre minha situação é muito mais fácil do que explicar para as pessoas, especialmente quando eu tento explicar, elas me chamam de louco, demente.

Eu não sou insano. No começo eu não sabia como lidar com ele. Na verdade eu ainda me lembro da primeira vez que o vi... ou melhor, quando ele me viu. Eu tinha uma longa viagem pela frente. E já era quase 01:00 da madrugada. E como eu não tinha dormido por causa da festa da noite anterior, achei que a melhor idéia seria a de parar em um hotel.

Depois de uma conversa estranha na recepção eu estava sentado na cama do quarto 250. O colchão era de mola, a TV era antiga, e a sala tinha um cheiro podre, o lugar era uma merda de um buraco. Porém eu não reclamava. Assim eu fui ficando exausto e como só ia passar uma noite naquele buraco depois de tudo, peguei no sono bem rápido.

Logo depois o barulho começou...



O que era aquele barulho? Não tinha acordado com o toque do celular era mais um som estático. Ai eu me virei para olhar no relógio digital, era 03:33 da madrugada. O quarto estava com pouca luz. Sentei para ver TV, mas ela só aparecia estática em preto e branco. Devia ter perdido o controle remoto. Procurei que nem louco por ele, assim eu ia poder voltar a dormir. Eu levantei as almofadas, olhei em volta, mas sem sucesso.
E quando eu coloquei as almofadas no lugar levei um susto! A estática da TV tinha sumido do nada. No lugar dela tinha uma imagem preto e branco de um cara de meia-idade, cortada só mostrando a parte dos olhos que ficavam piscando. Pelas sobrancelhas não parecia que ele era mau,ou diabólico mas mesmo assim eu estava assutado. Vi que o controle remoto tinha caído, peguei ele e na mesma hora tentei mudar o que estava na tela mas apareceu só números verdes mostrando cada canal no canto direito em cima. O número mudou, mas a imagem não. E investigar sobre o que era aquilo, desliguei a TV e voltei para a cama.

Eu não consegui dormir o resto da noite. No começo eu pensei que era algum tipo de piada. Aquilo não podia ser real, não mesmo. Na recepção, ao devolver a chave, eu vi uma TV atrás do dono. Ele estava mostrando o mesmo cara. Ele piscava os olhos. Perguntei ao homem o que ele sabia sobre o que estava na tela da TV.

"Ah sim, O tempo está mesmo ruim para quem vai fazer uma longa viagem..."

Meu sangue gelou. Será que ele não ver aqueles olhos brilhando?

"Garoto, você está passando mau?"

No meu carro indo pra faculdade eu tentava achar uma explicação para aquilo tudo. Tinha que ser o cabo da TV do hotel. Talvez fosse a única coisa que estava mostrando, e o dono tava fazendo alguma brincadeira de mal gosto, ou algum truque sujo. Tinha que ser, e foi, lógico, mas isso foi antes dos sons começarem.

Tentando não pensar no que aconteceu liguei o rádio do meu carro. Estática. Então resolvi tocar um CD pop em vez de ficar ouvindo Frank Sinatra. Estática, e muito alta. - O som do meu carro deve tá todo fodido - pensei. E como que eu queria que essa fosse a resposta. Eu só comecei a duvidar da minha sanidade quando cheguei à faculdade.

No refeitório, cada TV estava mostrando essa cara. Nos laboratórios, na sala de informática, cada monitor que exibia ela. Meu colega de quarto tinha uma TV HD nova, e eu só via aquele olhar me encarando. Ele sempre piscava os olhos. E lógico, eu perguntei a todos o que era aquilo, eles só diziam "o que você tá falando cara?". Alguns riam, achando que eu estava zoando com eles. Eu sentia um enorme desespero.

Fazia três dias dês daquela noite no hotel, E sempre depois que eu passava o hall de entrada da faculdade, eu via as pessoas se amontoarem ao redor da tela grande, de vez em quando rindo de tudo o que estavam assistindo. E tudo que eu podia ver era aquele rosto. Ele fica piscando os olhos. Tudo que eu podia ouvir era o barulho da estática. O meu leitor de MP3 não toca mais música. Eu não converso mais no meu celular, porque eu só escuto som de estática.

Essa bosta de estática ... Era isso no começo.

Logo os sons começaram a mudar. Um dia, no lugar da estática, eu ouvi um cara dizer uma série de números aleatórios com uma voz chata. Uma semana depois, eu ouvi uma mulher gritando como se tivesse sendo esfaqueada até a morte, eu podia ouvir a lâmina de corte através de sua carne e os passos de seu assassino. A mudança só aparece no áudio, mas as imagens na tela não mudam. Todas as telas apenas mostram aquele rosto me olhando. Ele piscando os olhos. Que caralho, eu to perdendo minha mente de merda, HA! Hoje eu ouço um homem resmungando jargão. Sento no meu quarto, e só fico olhando profundamente nos olhos que olham para mim no meu computador.


Agora eu entendo porque eu estou ficando louco.

Não é a sons ou este rosto olhando para mim, é o porquê. Por que eu? O que eu fiz para merecer isso? Foi porque eu parei de ir à igreja? Foi porque eu fiquei naquele hotel? E esse rosto que está em cada merda de TV eu vejo? Todas estas perguntas não respondidas são o que me deixam louco. Eu não aguento mais. Eu não posso ouvir nenhum som, ver nenhuma TV, que esse cara (ele piscou) ele está lá, e fingir que está tudo ok. Eu não durmo há dias. Eu anseio pela sensação sedutora de paz e tranquilidade. Não há mais nada em meus sentidos. Ai eu pensei em Van Gogh...






--------------------------------------------
Estas páginas escritas à mão foram encontradas espalhadas em torno do quarto de Gabriel Orwell - o mesmo local onde ele se matou. Os investigadores o encontraram caído no chão com olhos arrancados, os dois tímpanos das orelhas perfurados, e os pulsos cortados. Havia também dois monitores HD na sala, ambos foram destruídos e danificados pelos punhos e sangue de Orwell.


Nenhum comentário:

Postar um comentário