Era pra ser simples, nós achávamos. Pegue um pouco de cromossomos, os corte, os coloque lá, e uau, o ser humano perfeito. Eu ainda não tenho certeza do que deu errado. Talvez um erro de cálculo? Ou talvez algo além do nosso controle. Quem vai saber?
Nós (alguns colegas meus que
são psicólogos e eu) estávamos intrigados com as emoções humanas. Raiva,
desespero, euforia. Seria possível bloquear a mente em apenas uma emoção?
Bloquear a mente em um estado de completa euforia, de modo que nenhuma tristeza
ou raiva ofusquem seu pensamento? Teoricamente, sim.
Não vou descrever os
procedimentos de nossas experiências com você. Tanto porque não quero que você
os repita e também tenho medo que você enlouqueça se eu as contar. As coisas
terríveis que fizemos. Nós eramos ambiciosos, jovens, nada poderia nos deter, e
ninguém poderia nos dizer que estávamos errados. Tudo que vou dizer é que nós
pegamos algumas células-tronco e alimentamos elas em fetos. O experimento foi
chamado de “The Angel Man Project” e o objetivo era criar um ser que sentia
apenas felicidade. Mas algo deu errado. Terrivelmente errado.
Metade das cobaias morreram
inesperadamente, sem aviso prévio ou sem uma causa justa. A metade restante em
sua maioria nasceram horrivelmente distorcidas. Três nasceram bem. Perfeito,
nós pensamos. Um ser humano com capacidade mental superior a qualquer outro,
devido ao seu estado sempre eufórico.
Eles eram perfeitamente
normais até os dezoito meses de idade. Foi quando apareceram os primeiros
sintomas. Falta de equilíbrio, dificuldade parar dormir e comer, baixa
capacidade de resposta. Todos nós no fundo estávamos em pânico, é claro, mas
por fora permanecemos calmos e continuamos com o projeto. Deveríamos ter parado
ali. Devíamos ter pego as cobaias sacrificá-las e então as queimar e fechar o
laboratório. Mas nós continuamos.
As coisas só pioraram. Os
movimentos deles se tornaram cada vez mais esporádicos e eles ainda não
poderiam proferir palavras, embora pudessem rir e faziam isso muitas vezes.
Muito frequentemente. Não um riso feliz, mas quieto, quase que um sorriso
nervoso e constante. Não importava quanta dor era infligida sobre a cobaia, ela
simplesmente te encarava e ria, como se estivesse zombando de você, chamando de
fútil suas tentativas de a prejudicar.
Esperávamos que as cobaias
tivessem uma capacidade extra de aprendizagem. Mas o contrário ocorreu. O
desenvolvimento mental delas era severamente atrasado. Elas não conseguiam
prestar atenção em algo por mais de alguns minutos antes de cair em mais um
ataque de riso. Mas nós continuamos, esperando que estes sintomas fossem sumir
conforme as crianças ficassem mais velhas. Nós demos um nome para os sintomas.
“Happy Puppet Syndrome” , porque os movimentos irracionais das crianças faziam
parecer que elas eram fantoches em cordas.
Cinco anos no projeto e
percebemos que não havia esperança. Nós não aguentávamos mais o riso incessante
dessas crianças, como se elas soubessem algo que nós não sabemos. Olhar para
uma criança e vê-la se contorcer esporadicamente e rir demais é uma coisa
assombrosa. Dois dos meus colegas já tinham saído, porque não aguentavam mais.
Eu nunca mais ouvi falar deles depois disso. Eles provavelmente estão mortos.
As crianças não tinham
falado por cinco anos. Apenas riram sua risada condenada. Nós entramos para os
dar o café da manhã e eles olharam para nós com seus olhos enormes,
contraindo-se, rindo e sem dizer nada. Nós deixamos a refeição na frente deles
e saímos. A comida está com toxinas que vão os matar em silêncio e sem sofrimento.
Era uma coisa dolorosa a se fazer, mas tinha de ser feito. Contudo, não era tão
fácil.
Um dos meus colegas colocou
uma bandeja de comida na frente de um dos garotos, o riso parou. O menino olhou
para meu amigo, seus olhos de repente ficaram escuros e ele muito sério. A
risada parou.
Eles continuaram a olhar
para ele e contorcer por um tempo. Meu amigo estava em choque e não se moveu.
Meus colegas e eu estávamos com caneta e bloco de notas, pronto para escrever.
De repente, meu amigo caiu de joelhos, segurando a cabeça e gritando
furiosamente. Ele parecia estar sentindo muita dor. Meus colegas e eu estávamos
tão surpresos com isso, não podíamos fazer nada, além de sentar e assistir. Meu
amigo caiu no chão, gritando palavrões. Ele se bateu violentamente algumas
vezes, e depois ficou quieto.
Eu segurei o impulso de
ficar doente, com mais sucesso do que alguns dos meus colegas. Alguma coisa
sobre isso não era normal. Uma presença negra que parecia uma torre sobre nós.
Nós imediatamente selamos a entrada. O menino parou, olhou para a porta, e riu.
Ele caiu no chão, se contorcendo e rolando de rir loucamente. Os outros dois
fizeram o mesmo. Depois de alguns minutos o ajuste parou e eles se levantaram
ainda se debatendo, ainda rindo.
As luzes se apagaram. Eu
ouvi batidas, vidro quebrando, gritos. A coisa mais terrível de todas, foram os
sussurros assombrosos, juntamente com o riso silencioso. Quando as luzes
voltaram, as cobaias tinham desaparecido. Dois dos meus colegas estavam
inconscientes ao meu lado, seus corpos estavam torcidos em ângulos estranhos e
com sangue escorrendo de suas bocas. No início, eles pareciam estar mortos.
Eles não mostravam sinais vitais. Mas eu me inclinei um pouco, e então podia os
ouvir rindo, ainda que levemente. Fui examinar meu amigo. Sem pulso, sem
respiração, mas ele continuou rindo baixo.
Embora as cobaias tenham
sumido, eu ainda sentia como se algo estivesse me observando, algo que estava
apenas na borda da minha visão, mas que eu nunca seria capaz de ver.
Eu e um colega restante
fechamos tudo imediatamente. Antes de sair, destruímos nossa pesquisa e
bloqueamos o laboratório. Eu perdi a comunicação com os meus colegas. Presumo
que eles estão mortos.
Eu ainda sinto que estou
sendo vigiado. Ainda ouço o riso, o sussurro, nos meus sonhos e as vezes quando
estou acordado. Quando isso acontece, eu corro. Eu me levanto e saio de
qualquer lugar que eu esteja. Não sou capaz de ficar no mesmo lugar por mais de
alguns dias por causa disso.
Isso se espalhou. Outras crianças
foram vistas com sintomas semelhantes. Eu não tenho nenhuma ideia de como isso
se espalhou, e não era pra ser algo que se espalha. Alguém em algum lugar fez
algo sobre a disjunção do cromossomo 15, e que manteve as pessoas felizes e no
escuro, por agora. A doença foi chamada de “Angelman Syndrome” (Síndrome de
Angelman). Até agora os surgimentos não foram perigosos. Mas sei que os
originais ainda se escondem em algum lugar.
Eu sei que eles estão vindo
atrás de mim. Sei que eles vão me encontrar. Aceito isso. É o que recebo por
tentar mexer com a natureza. Deixo aqui esta carta como um aviso. Eles estão
indo atrás de você também. Eles estão indo atrás de todos nós. Se alguma vez
você ouvir sussurros, risos à beira de seu ouvido, corra. Se alguma vez se
sentir como se algo esta na borda de sua visão e você não o consegue enxergar,
apenas corra.
Além disso, vou lhes avisar
isso:
1) Não mexa com o que não é
seu;
2) Mesmo os anjos, podem ser
demônios disfarçados;
3) Não venha até a mim. Sou
tão bom quanto morto.”
O manuscrito seguinte
foi encontrado em um laboratório abandonado e escondido no fundo de uma
floresta no Alasca. O laboratório consistia em uma sala de observação e uma
sala de contenção. A sala de contenção foi bloqueada, e o laboratório inteiro
parecia ter pegado fogo em um ponto. Vestígios de sangue foram encontrados após
o quarto de contração ser violado, e uma janela foi quebrada. A natureza exata
deste laboratório é ainda desconhecia.
Síndrome de Angelman:
A Síndrome de Angelman foi
reconhecida em 1965 pelo médico inglês Dr. Harry Angelman, como um dano no
cromossomo 15 herdado da mãe. Trata-se, portanto, de uma doença genética, sendo
que em uma pequena parcela dos casos pode acontecer mais de uma vez na mesma
família. O Dr. Angelman identificou, na época, três crianças com
características comuns, tais como rigidez, dificuldades para andar, ausência de
fala, riso excessivo e crises convulsivas.
Normalmente, a Síndrome não é facilmente
diagnosticada pelo pediatra clínico, em função da sua baixa incidência.
Suspeitando de algum transtorno genético, os pacientes costumam ser
encaminhados para os setores de neurologia e genética dos grandes hospitais. “O
diagnóstico é então confirmado por testes de DNA e estudo do cariótipo".
A Síndrome é bastante difícil de ser reconhecida no recém-nascido ou na infância, uma vez que os problemas de desenvolvimento são inespecíficos neste período. Conhecendo-se as características da Síndrome, no entanto, é possível, mesmo para os pais, reconhecer uma criança portadora entre três e sete anos, quando os sintomas se fazem mais evidentes, embora já seja possível observar algum atraso no desenvolvimento a partir de 6 ou 12 meses de idade. De maneira geral, a gravidez de uma criança portadora da Síndrome de Angelman é normal.
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